A uma caminhada do famoso Jardim Nacional de Atenas, está um local de potente história, um museu a céu aberto com esculturas de mármore e lápides ornamentadas, que proporciona uma visita sem custo e repleta de paz. Embora o Primeiro Cemitério de Atenas (Πρώτο Νεκροταφείο Αθηνών) seja tombado como monumento histórico e por abrigar o maior parque escultórico do país e um dos maiores da Europa, ele está longe de fazer parte de um roteiro tradicional à capital grega.

Conheça o Cemitério e descubra por que ele deve fazer parte do seu roteiro em Atenas.

Origem do Primeiro Cemitério de Atenas

A história do cemitério mais antigo de Atenas em funcionamento começa quando a Grécia se torna independente do domínio turco, em 1821.

Sob a autoridade otomana, os gregos enterravam seus mortos nas igrejas. Mas quando Atenas se tornou a capital do país, em 1834, proibiram as sepulturas dentro e ao redor dos locais de culto por razões de higiene. Assim, o controle e a administração dos cemitérios passou à prefeitura.

Logo após a fundação do estado grego moderno, esta necrópole estabeleceu-se como uma instituição ortodoxa com base num Decreto Real que estipulava que todo cemitério deveria estar longe da zona habitável em pelo menos 100 metros.

Entrada principal do Primeiro Cemitério de Atenas
A entrada principal fica no topo da rua Anapafseos (Descanso Eterno). Foto: Isabella Galante

Além disso, era necessário que a área estivesse ao norte ou a leste do centro, se possível numa grande colina onde sopra vento (para ser bem ventilada) e cercada de alguma maneira. A parte voltada para a cidade precisaria ser repleta de árvores. E uma capela teria que ser construída onde os mortos permaneceriam até o enterro, com a presença de um guarda.

Com base nas determinações, considerou-se a colina Mets, então desabitada, como a posição ideal. Para se adequar, os moinhos de vento de Atenas foram colocados ali para ventilação, bem como inúmeros pinheiros e ciprestes foram plantados.

Não se sabe exatamente quando o campo-santo começou a funcionar, mas os túmulos mais antigos datam de 1837. Eles estão situados em torno da primeira igreja do local, São Lázaro.

Configuração do Cemitério

Com o tempo, a demanda para encontrar terrenos adicionais foi moldando o Cemitério como é hoje. Ele foi ampliado duas vezes até a década de 1940 para incluir uma seção para protestantes — que antes eram enterrados no Templo de Hefesto — e judeus. Em teoria, existem áreas para abrigar cada doutrina separadamente, só que na realidade esses limites não são muito rígidos.

O mapa atual não indica qualquer planejamento ou forma definida, como resultado das várias extensões. Eventualmente, o tamanho atingiu 91 hectares, com mais de 10 mil sepulturas familiares, além de 2 mil jazigos individuais de uma centena de artistas.

Coleção de arte do Primeiro Cemitério de Atenas

Não há nada de macabro nos luxuosos memoriais idealizados por escultores famosos e talentosos. Pelo contrário: o branco predomina por toda parte, por causa do uso do mármore local pentélico. E em vez de lápides e cruzes, é possível admirar diversas correntes artísticas.

O Cemitério permite vislumbrar vestígios da história da Grécia desde o século XIX até os dias atuais. Entre os milhares de túmulos, encontram-se ilustres políticos, líderes militares, revolucionários, filantropos, acadêmicos, atores, diretores, compositores, cantores, arqueólogos e escritores; enfim, pessoas que deixaram uma grande herança para o país.

Os cidadãos, influenciados pelos costumes da Atenas Clássica, gastaram quantias consideráveis em monumentos que se destacariam dos demais. A competição familiar pelo memorial mais bonito resultou em esculturas impressionantes.

Exemplares da arte memorial que marcou o renascimento do novo estado grego
A arte memorial marcou o renascimento do novo estado grego. Foto: Isabella Galante

Além disso, a descoberta acidental do antigo cemitério de Kerameikos afetou fortemente os artistas gregos modernos. Esse campo-santo ancestral inspirou a muitos, gerando padrões que incluíam colunas e estrelas. Assim como houve a incorporação de motivos e símbolos, alterando os significados para se adequarem à visão de mundo ortodoxa, como a borboleta, que representa a alma. Existem também alguns exemplos de artes bizantinas e egípcias, como esfinges e sarcófagos.

Comumente, o resultado estava baseado no gosto do comprador. Considerando que a igreja não intervia nesse ponto, os artistas podiam criar livremente, inclusive adicionando por vezes elementos sensuais e eróticos. A maioria dos contratados já era reconhecida, dado que eram os mesmos que conceberam as obras de arte da Academia, da Universidade e de outros edifícios de prestígio.

Cada peça abarca uma história interessante. Era costume que as sepulturas incluíssem evidências referentes ao último ocupante. Temos lápides, templos, bustos e estátuas inteiras, muitas dormindo, algumas deitadas, contemplando ou curvadas lamentando. Outras seguram uma cruz, que simboliza a redenção, ou uma tocha invertida, indicando a vida que se esvai.

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As mais queridas obras tumulares

O Cemitério abriga milhares de mortos, mas alguns se destacam. Confira:

Sofia Afentaki

O que todos que visitam o Primeiro Cemitério de Atenas querem ver é, sem dúvida, a famosa Garota Adormecida (Η Κοιμωμένη). A tumba foi criada por Yannoulis Chalepas, o escultor grego mais admirado da era moderna, e encomendada pelos Afentaki em 1877.

Essa obra especial se caracteriza pelos detalhes e pela expressividade, que adornam o túmulo de Sofia, de 18 anos. Ela se enquadra totalmente no modelo de memorial classicista, segundo o qual a morte é um sono eterno sem sonhos.

Entre as várias histórias sobre como a jovem morreu, a mais aceita é da tuberculose. Outra versão, bem mais romântica, especula que ela cometeu suicídio bebendo veneno quando seu pai a impediu de ficar com o amor de sua vida, o cantor de ópera italiano Mario Giovanni.

Estátua na tumba de Sofia Afentaki
Tumba de Sofia Afentaki, exemplo genuíno da qualidade no entalhe de mármore entre 1850 e 1920. Foto: Isabella Galante

Por outro lado, a imagem em pedra deve sua fama, em grande parte, à tragédia do artista, sendo decisiva em sua vida. À época, uma observação da mãe de Sofia sobre o formato do rosto da moça foi suficiente para irritar o escultor a ponto de fazê-lo destruir a cabeça da estátua, para depois reconstruí-la.

Os pais e médicos de Yannoulis não conseguiam entender as causas de seu mau-humor. Então decidiram interná-lo no Hospital Psiquiátrico Público da ilha de Corfu. Apesar do intenso sofrimento mental, ele conseguiu completar sua “Adormecida”. E a peça se tornou a derradeira antes que a esquizofrenia se manifestasse.

O túmulo de Chalepas fica a alguns metros de Sofia Afentaki, adornado por um anjo esculpido por seus discípulos.

Visando manutenção e preservação, espera-se que ocorra a transferência permanente da Garota Adormecida para a área das esculturas da Galeria Nacional. Atualmente, lá se encontra uma cópia fiel de gesso. Nos últimos anos, a original sofreu vandalismos, sendo atingida por uma substância tóxica e pintada com spray preto.

Henry Schliemann

Em meio aos artefatos emblemáticos, um chama a atenção: o mausoléu de Henry Schliemann, o arqueólogo cujas escavações revelaram as ruínas de Troia e Micenas.

Tumba de Henry Schliemann no Primeiro Cemitério de Atenas
A tumba de Schliemann pode ser vista mesmo de longe. Foto Isabella Galante

Elaborado pelo arquiteto Ernest Ziller, o design resulta num templo dórico decorado com cenas da Guerra de Troia nos lados sul e leste, da construção das muralhas de Tirinto, no oeste, e da escavação de Troia no centro da lateral norte.

Polêmicas do campo-santo ateniense

Como a Igreja Ortodoxa Grega não permite a cremação, a capacidade para enterrar todos os interessados é insuficiente.

Então a solução que a administração do cemitério encontrou foi a permanência dos mortos em seus túmulos por até três anos. Caso não haja descendentes para pagar a manutenção ou o período de aluguel expire, o lote passa para a prefeitura e a sepultura pode ser vendida. Assim, muitas vezes o novo proprietário assume o compromisso de não modificar qualquer característica original da obra.

A menos que seja um mausoléu adquirido indefinidamente, desenterram-se as ossadas e as colocam numa caixa. Depois, podem transferi-las para o ossuário na praça principal ou reorganizá-las em lotes menores.

Ossuário principal do cemitério com caixas de ossadas
Por lei, o desenterramento requer a presença de um parente. Foto: Isabella Galante

Na hipótese de ninguém reivindicar os restos mortais, eles são repassados para uma vala comum. Isso ocorreu inúmeras vezes por conta da crise econômica no país.

Nos dias atuais, os interessados em ter um espaço próprio neste local histórico, devem estar preparados para investir alto. Determina-se a venda de cada jazigo familiar pelo valor objetivo (a partir do metro quadrado), bem como a quantidade e raridade dos mármores presentes. A quantia mínima é de 25 mil euros e, em alguns casos, pode ultrapassar os 70 mil.

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Relevância do Primeiro Cemitério de Atenas

As necrópoles são um testemunho da estética de seu tempo. Mais do que isso: são lugares onde se celebram a vida e a continuidade. Esse entendimento resulta do fato de que, em grego, as palavras para monumento (mnimeio) e túmulo (mnima) vêm do termo memória (mneme).

O Primeiro Cemitério de Atenas é um tesouro cultural celebrado por especialistas e pesquisadores, mas quase desconhecido pelo grande público. Ele fica na rua Logginou 3 e é possível visitá-lo entre 8h e 17h.

Arte tumular com estátuas no cemitério de Atenas
Apesar de antigo, este espaço é dinâmico e muda constantemente. Foto: Isabella Galante

Enquanto vários países fazem questão de manter em boas condições seus campos-santos, e até mesmo desenvolvê-los para o turismo — como é o caso da Argentina, com o Cemitério da Recoleta, e da França, com o Cemitério do Père-Lachaise, a Grécia ainda os negligencia. Esse fato pode tornar a visitação frustrante.

O lugar de mais de 180 anos parece uma pequena cidade envolta num ambiente tranquilo e calmo. No entanto, diversos monumentos funerários enfrentam atualmente problemas estruturais. Também há pouca informação disponível ou uma orientação clara sobre a localização das sepulturas e ausência de visitas guiadas.

Os cemitérios são importantes porque contribuem para a reconstrução de características fundamentais das sociedades. Eles propiciam dados significativos sobre economia, religião, demografia (população, taxa de mortalidade, longevidade), antropologia (doenças, dieta) e principalmente sobre o aspecto social da morte. São lugares indissociáveis da identidade de uma cidade.

Agora que você já conhece a história do local, tenho certeza que a visita vai ser mais interessante. Aliás, confira também como visitar a Acrópole de Atenas!