Lembro-me do meu primeiro mochilão na Europa. O guia com o resumo de todo o continente na mochila e o cair no desconhecido. Viajar antes dos smartphones era viajar contando com descrições detalhadas de outros viajantes do guia de viagem que você mais confiasse. Estes eram os influenciadores de viagem da época, assim como as revistas especializadas.

Hoje, recebemos uma enxurrada de informação detalhada sobre o que ver, o que fazer e até mesmo que foto tirar. Há filas em frente dos ângulos mais instagramáveis e as viagens, para muitos, se tornaram um checklist interminável de onde bater ponto. Se não, é como se você não tivesse nem ido, pois não viveu o que “tinha” que viver ali.

O que faz uma viagem?

Acredito que muito do que faz viajar ser uma experiência tão rica, vai além dos museus visitados. É o se perder, o caminho percorrido e as mancadas, além das pessoas que encontramos no caminho e os insights que surgem no novo contexto, que fazem uma viagem valer mesmo a pena.

Por isso pergunto: será que copiar roteiros e fazer fila para fotos imperdíveis em destinos instagramáveis é mesmo viajar?

Criando meu próprio roteiro

Até existia internet naquele tempo do meu primeiro mochilão, mas os blogs de viagem eram poucos. A descrição mais detalhada era encontrada mesmo nos livros que continham pouquíssimas imagens.

Se hoje eu ainda me debruço nestes guias, não me atento tanto aos preços nem ao quão atualizados são, mas busco os livros que têm mais a ver com meu estilo de viagem. O mesmo vale para os blogs. A partir daí, anoto as dicas que mais me apetecem e evito reproduzir roteiros. Dou espaço para me perder, explorar e, especialmente, para mudar de ideia.

Chegando no destino

Viajar antes dos smartphones também era visitar, antes de qualquer coisa, o centro de informação turística da cidade. Era ali que eu podia conversar com um especialista daquele destino sobre o que valia mesmo a pena e descobrir coisas novas que não estavam no guia nem nas revistas.

Era ali também que eu pegava um mapa da cidade e vários folders sobre atrações interessantes e pedia direções para chegar nos lugares. Saía com um mapa todo rabiscado.

Confesso que ainda faço muito isso dependendo do destino, mas gosto também de colocar a minha lista de desejos, os lugares que listo, em um bom mapa do Google que salvo para checar o que fica perto do quê e assim poder melhor planejar os meus dias.

Conhecendo outros viajantes

Outros viajantes também eram e ainda são uma ótima fonte de conhecimento. Além do mundo digital, eu sempre pensava qual dos meus amigos já tinha visitado o lugar onde queria ir. Quase sempre eles já tinham as suas dicas prontas em um email para quem perguntasse.

selfie de mulher com bicicleta.
Foto em uma viagem espontânea para Isola d’Elba onde comprei uma barraca no supermercado, pois descobri que não havia albergue lá. Foto: Roberta Schmoi

Na Europa, o truque era sempre buscar um tour gratuito a pé. Neles era possível ver os pontos principais da cidade e se conectar com outras pessoas indo por diferentes caminhos fora do meu roteiro inicial. “Ouvi dizer que a uma hora daqui há uma capela toda feita de ossos!” ou “Uma cidade aqui perto tem as melhores cervejas do país!” eram frases que surpreendiam. Agora quase tudo pode ser encontrado em reels e em listas de fotos imperdíveis.

Nos albergues, viajar antes dos smartphones também significava interagir mais. Os viajantes se conectavam uns com os outros no bar ou lobby e trocavam dicas. Muitas vezes grupos espontâneos de viajantes com os mesmos gostos se formavam temporariamente em um destino. Me pergunto com que frequência isso ainda acontece.

Viajar antes dos smartphones e depois deles

Infelizmente, muito disso se perdeu. Não completamente, mas em grande parte. Vejo os viajantes de hoje tão presos a checklists (muitas vezes instagrameiras) que acabam perdendo grandes oportunidades de viver o desconhecido.

Viajar antes dos smartphones era também passar outro nível de perrengues de viagem. Sem mapas e lista de melhores restaurantes a um clique no bolso, fazíamos mímicas e nos arriscamos mais. Tentávamos uma cama em albergue ou hotel na cara e na coragem.

Viajar era perder o último trem e ter que usar o telefone público para ligar em italiano para toda a lista de acomodações registradas no seu guia de viagem. Era sentar em um parque ouvindo o mesmo CD da viagem toda enquanto tentava entender o mapa de papel que pegou lá no primeiro dia no centro de informação turística.

Mochileira com mochila de viagem grande e saco de dormir em cima em frente a mercearia.
Viajar antes dos smartphones era buscar acomodação pessoalmente. Foto: Roberta Schmoi

Viajar antes dos smartphones também era se afastar da realidade em casa. Era uma imersão completa na experiência de se estar fora, enquanto hoje estamos sempre conectados aos amigos, família e até mesmo com o trabalho.

Será que há um meio-termo onde possamos resgatar a imersão de se viajar antes dos smartphones aproveitando as vantagens que o aparelho pode nos oferecer? Aplicativos para busca de acomodações, passagens de trem e de avião, até mesmo de passeios, além, é claro, de mapas, são uma tremenda mão na roda durante a viagem.

Talvez o principal seja mesmo passar a consumir conteúdo de viagem com mais cuidado, aprendendo a se inspirar em outras experiências e se livrando de listas prontas do que é genericamente imperdível.