Torre Eiffel, Coliseu, Sagrada Família, capitais, monumentos, história… Europa. É fácil associar o Velho Continente ao que é idealizado pelas redes sociais, cinema, noticiário e até mesmo ao que nos é ensinado desde cedo na escola. Difícil é perceber que tudo isso é um fragmento, ainda que verdadeiro, de um todo mais amplo. Existe uma “outra Europa” e ela surpreende tanto que, quando você a descobre, é quase um caminho sem volta.
É sobre tentar convencer um mineiro, da terra das cachoeiras, que conheceu algumas das mais belas em Portugal. Para um brasileiro, que algumas das praias mais bonitas foram na Espanha, Malta, Albânia ou em Montenegro. É dizer que um dia remou em um cenário de filme e que fez rafting em um cânion nos confins do continente.
É sobre tudo que não imaginava, mas ainda bem que fiz, na Europa.
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Fazer um rafting no Tara Cânion
A experiência mais inusitada, sem dúvidas, foi descobrir um dos tesouros da pequena Montenegro. O país, independente apenas desde 2006, é dos menores do mundo, de tamanho equivalente às Ilhas Maldivas e é daqueles lugares ainda pouco conhecidos, mas tenho certeza que não demora muito para entrar no hype do turismo.
A parte mais visada de Montenegro é a incrível baía de Kotor, que vale todo um texto à parte. De água calma, quente e com um ambiente tranquilo e familiar, a pitoresca baía não está exatamente fora da rota turística porque é um tradicional porto para cruzeiros no mediterrâneo. O engano de qualquer viajante, porém, é reduzir Montenegro a Kotor.
Se a capital Podgorica passa longe de qualquer atrativo, para mim o ponto alto está no norte do país, onde as placas já começam a mudar do alfabeto romano para o cirílico, a poucos quilômetros da fronteira com a Sérvia. A viagem de carro, por si só, já é sensacional, com montanhas e uma natureza verde, em um trajeto que você se conecta automaticamente com o país, sem muitos carros, apenas algumas vilas com arquitetura característica da região.
Em dado momento, até questionei se havia tomado a decisão certa quando inventei alugar um chalé em Žabljak. A cidadezinha, que não chega a ter 4 mil habitantes, é o ponto de partida dentro do Parque Nacional de Durmitor, um patrimônio da Unesco, para o “turismo radical” no país, que envolve atividades de inverno e verão.
Quando cheguei no chalé, a cena já foi daquelas de filme. Na porta estava nosso host, um personagem de filme soviético, um senhor de 2 metros, de aperto de mão forte, cuidando do jardim. Obviamente, sequer falava inglês, mas tivemos uma comunicação perfeita pelo Google Tradutor – iniciativa dele próprio. O que eu queria entender era: como fazer o rafting no Tara Cânion?
Não quis comprar antecipadamente pela internet porque achei que chegando lá conseguiria ofertas diferentes, mas na verdade o preço sempre foi o mesmo. O valor ainda inclui uma refeição simples. Num primeiro momento, achei caro, assumo, questionei se valeria a pena, mas hoje concluo que nunca houve uma decisão tão acertada.
Quando cheguei ao ponto de encontro para a saída ao rafting, me dei conta do que era a dimensão do rio Tara. Circundado por montanhas, o Tara Cânion é o maior cânion da Europa, com profundidade de até 1.300 metros. Quando visualizei o cenário, lembrei automaticamente de quando estive no Peru cinco anos antes.
O rafting, apesar de ser uma atividade radical, tem uma exigência física controlada. O guia que vai liderar o bote pergunta aos integrantes qual nível de dificuldade pretendem e, em grande parte do trajeto ele faz a parte mais difícil, requisitando nosso esforço e ajustando a emoção conforme descemos o rio.
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O visual é simplesmente inexplicável. Fomos em um dia de verão, não muito quente, que coincidiu com um clima louco de sol, chuva, granizo, e novamente sol, chuva, granizo. Nada atrapalhou, mas engrandeceu a experiência.
Para os corajosos (e levemente inconsequentes), como eu, ao final do rafting ainda é possível “nadar” no rio. Nadar, entre aspas, porque na verdade você vai praticamente só boiar com o auxílio do colete salva-vidas numa forte corrente. O que garanto é: vai sentir muito frio, a água é de degelo e fica em temperatura negativa, cerca de 3º negativos, segundo nosso guia. Congelante, inesquecível.
Nadar nas Cachoeiras no Gerês
Como bom mineiro, acostumado desde cedo a visitar as cachoeiras da região da Serra do Cipó, nunca imaginei que em minha segunda (e atual) casa, Portugal, iria me reencontrar tão bem com aquele hobby. Por anos ouvi falar do Gerês, muitas recomendações, mas também poucas explicações e mais dúvidas do que soluções sobre como visitar.
Antes de conhecer a região, quando se falava no Gerês, minha ideia era de unidade, uma cidade, um único local, mas a verdade é que é muito maior que a imaginação. O Gerês é um Parque Nacional reconhecido pela Unesco como Reserva Mundial da Biosfera, com cerca de 70 mil hectares e abrangência de diferentes cidades. Por isso, acredito fielmente que o melhor é fazer esse passeio de carro, o ônibus limita muito as possibilidades.
Dentro do que é oficialmente chamado de Parque Nacional da Peneda-Gerês existem diferentes atrativos. Vai desde os concelhos (cidades), como Arcos de Valdevez e Melgaço, até pequenas vilas, que em Portugal são chamadas de aldeias, além do principal: as trilhas e cachoeiras.
Fui ao Gerês em junho de 2021, durante a pandemia, justamente com aquele objetivo de ir para a natureza e fugir do contato com outras pessoas. O primeiro ponto que logo entendi para esta viagem foi: escolher um ponto base. Não existe necessariamente uma localização melhor que a outra, já que de qualquer forma você vai precisar pegar o carro e dirigir alguns quilômetros para ir de uma cascata até outra. Em Portugal, as cachoeiras são chamadas assim, independente do tamanho.
À época, a minha escolha foi ficar em Vilar da Veiga, que tem uma boa estrutura de restaurantes, informação turística e uma bela praia fluvial. Em cinco dias, pude conhecer algumas das que considero as cachoeiras mais bonitas (e geladas) que vi até hoje – perdão, Minas Gerais.
Cascata Tahiti (Fecha de Barajas)
No geral, todas as cachoeiras que conheci no Gerês requerem o esforço de passar por alguma trilha. No caso da Tahiti, essa foi uma das mais simples, com um declive, que sempre requer cuidado, mas a caminhada é curta.
A água é cristalina, com um tom verde turquesa. Me lembro bem do espanto de amigos e familiares quando mostrei as fotos: “mas tem cachoeira em Portugal? Tão bonita assim?”. Além disso, com uma boa área plana nas pedras, torna-se convidativo fazer um piquenique.
Cascata da Portela do Homem (São Miguel ou do Rio Homem-Gerês)
Colada na fronteira com a Espanha, esta é a única cachoeira das que visitei que é necessário pagar. Na verdade, o que se paga é o acesso de carro, que tem um valor simbólico e acaba por ser justo, porque tem uma área de estacionamento bastante convencional – em outras cachoeiras pode ser desafiador estacionar o carro.
Na minha opinião, essa é a cachoeira mais bonita que já visitei, uma pena é que de tão gelada chega a doer os ossos no primeiro mergulho. Depois, acostuma-se bem.
Cascata de Pincães
Como aqui o objetivo não é dar dicas sobre um roteiro no Gerês, deixo apenas mais uma das minhas cachoeiras favoritas. Diferente das outras, localizada em uma mata um pouco mais fechada e com uma queda de água maior, a cachoeira de Pincães me remeteu às que estava acostumado a visitar quando ainda morava no Brasil.
Aproveite e confira minha coluna sobre perrengues em viagem também!
Conhecer praias paradisíacas na Europa
É difícil associar o turismo europeu às praias, especialmente para quem sai do Brasil. Provavelmente o que é mais conhecido nesse sentido são praias urbanas, como Barcelona, ou destinos mais badalados, como Ibiza. O ponto crucial para aproveitar melhor essa experiência é partir de um princípio: nunca será como no Brasil.
O serviço de praia na Europa é limitado (ou inexistente), também não tem vendedores ambulantes, e as praias de areia não são necessariamente as melhores. Sim, existe praia de areia na Europa, nem todas são de pedra como muitos pensam, mas as tais praias de pedra podem surpreender você.
Ilhas com praias paradisíacas
Minha primeira experiência nessas “praias de pedra” foi em Malta. A ilha, o 10º menor país do mundo, é cinco vezes menor que a cidade do Rio de Janeiro. Além de ser um bom destino para um turismo de cidade, para conhecer as belas Valeta e Mdina, com cenários de filme e séries como Game of Thrones, Malta é também um famoso destino de verão na Europa.
A Ilha de Comino é um passeio imperdível e acredito que o melhor para se fazer praia em Malta. É necessário pegar um passeio de barco, que por si só já vale a pena pelas paisagens, e depois é se aventurar no mar ou nas trilhas ao melhor estilo “faça você mesmo”. Não tem, ou não conheci, trajetos específicos, mas rendem boas fotos com esses desfiladeiros.
A “praia” que mais gostei, porém, foi a St. Peter’s Pool. Na verdade, trata-se de um poço onde você pode se desafiar a pular da pedra até o mar. Confesso que tive receio, me pareceu um bocado perigoso, mas quando vi tantas pessoas fazendo e algumas áreas indicadas (de forma amadora) para o pulo me aventurei. O frio na barriga e a adrenalina entregaram algo diferente de qualquer outra na praia. Para os mais conservadores, existe também a opção totalmente segura de entrar pela escada, como uma escada de piscina mesmo.
A viagem para Malta me encorajou a buscar outros destinos similares. Em Mallorca, na Espanha, considero que conheci algumas das praias mais bonitas que já visitei, mesmo conhecendo lugares incríveis como o caribe colombiano e parte do nordeste brasileiro.
O conceito em Mallorca é ir de “cala em cala”. Por isso, para minha experiência ter sido completa e tão bem aproveitada, acredito que o aluguel do carro foi essencial. Quando cheguei a Mallorca, percebi que a ilha é muito maior do que Malta e que o transporte público não seria uma opção.
As calas nada mais são do que baías, todas elas circundadas por uma quase natureza virgem e águas calmas, transparente e extremamente convidativa, apesar de gelada. Em algumas sequer existe uma praia de fato, você já pula direto da pedra para uma piscina natural. Em outras, existe área com areia.
O que é comum entre as calas é que o acesso sempre requer certa caminhada, passar por alguma escadaria ou trilha. Peca de certo modo no quesito acessibilidade para quem tem limitações de mobilidade, mas também entrega um ambiente bem mais tranquilo e menos tumultuado. Para alguns pode ser ponto negativo não existir venda de comida ou bebida (e não existe mesmo), mas isso pode ser visto como oportunidade. Basta se preparar, levar seus próprios insumos e curtir.
As praias únicas dos Bálcãs
Tanto em Malta, quanto em Mallorca a água é gelada, mas tenho também uma recomendação para quem prefere um mar quentinho. A Albânia tem crescido em interesse nos últimos tempos por ser um destino mais acessível em relação à Grécia, mesmo estando ali coladinha com o país. Albânia e Grécia dividem fronteira, logo, não é difícil imaginar que o que há de belo nas praias gregas também se estende ao que vem sendo chamado de “riviera albanesa”.
Me hospedei em Ksamil, uma pequena cidade, antiga vila de pescadores, mas que tem crescido vertiginosamente pelo turismo. Em Ksamil, o esquema de praia já se aproxima mais ao brasileiro, com beach clubs, boa infraestrutura como cadeiras e espreguiçadeiras, serviço à mesa, e o mais importante que é o belo visual.
Outro bom destino para praias que você pode incluir no roteiro pelos Bálcãs é Montenegro. Na própria região de Kotor, antes mencionada, é possível curtir um mar ao estilo lago. Nem parece mar, mas é. A praia que achei mais bonita no país é chamada Sveti Stefan, novamente uma antiga vila de pescadores, mas que virou o complexo de um hotel. A praia é pública, de pedras diminutas que quase não se nota, e novamente essa paisagem que dispensa palavras para adjetivar.
Alugar um barco e remar em Bled
Há alguns anos meus pais vieram me visitar e fizemos uma viagem pela Itália, para várias cidades que havia conhecido anteriormente. Apesar de adorar a viajar pela Itália, queria conhecer algo novo e, como fomos para Veneza, passei a estudar opções de um novo país para conhecer ali por perto. Daí surgiu a ideia de ir para a Eslovênia!
Sinceramente, não tinha muito ideia do que poderia conhecer no país, mas bastou uma breve pesquisa para descobrir o lago de Bled, um dos lagos mais bonitos da Europa. Localizado há pouco mais de uma hora de ônibus da capital Liubliana, o lago de Bled é o ponto alto do turismo no país, e com todas as justificativas.
Mesmo que as fotos já sejam impactantes, não há descrição para o que é chegar e ver a paisagem ao vivo. O lago de Bled, diferente de muitos outros, não é simplesmente um postal para fotos. Você automaticamente é convidado a ser um participante ativo da vida no lago, de todas as atividades que ocorrem ao seu redor.
Lembro bem de chegar no lago e ver de cara algumas raias de piscina delimitando o espaço para banho. Caminhamos alguns metros e logo vimos pessoas fazendo stand up paddle, algumas embarcações maiores que levavam os turistas até a ilha localizada no centro, ou os pequenos barquinhos para remar. Esta foi a atividade escolhida.
Remar no lago até chegar na ilha, onde está localizada uma igreja, foi uma das formas perfeitas de aproveitar o dia em Bled, que só poderia ser finalizado nadando no lago. A água tem uma temperatura ideal e hoje sempre sou lembrado pelo meu pai sobre como a viagem para Bled o impactou. É muito louco pensar que depois de passar por Roma, Milão, Veneza e tantos monumentos famosos na Itália, o que ele sempre lembra agora é do dia que nadamos juntos no lago de Bled.
Hoje, depois de tantas experiências inusitadas pela Europa, tenho a noção muito mais ampla do continente. Isso ajudou a desmistificar o que tanto nós, brasileiros, reclamamos quando o Brasil acaba reduzido a praia, futebol ou carnaval. Fugindo um pouco dos clichês, seja em qual parte do mundo for, descobri que podemos nos surpreender com o que nem todo mundo nos conta.